O Sr. Euclides e o Natal (natal de 2018)
A cidade já estava em modo Natal.
As montras e lojas no seu interior transpiravam Natal. O circo instalara-se, os
centros comerciais eram como enormes cidades natalícias para regozijo de
crianças e adultos. O Pai Natal de serviço ia sentando crianças no colo, tirando
fotografias e gritando: “ho, ho, ho, Merry Christmas”.
Era um velhote de barbas
brancas, mais precisamente de cor da neve, e um pouco gorduchinho, como era descrito
em todos os contos de Natal. Não, aquele velhinho não era o tal Pai Natal, mas,
sim, o Sr. Euclides. Tinha esse nome fora de uso porque a data do seu
nascimento já ficara para trás há precisamente oitenta e oito anos. Mesmo assim,
os seus vizinhos diziam que o Sr. Euclides ainda estava rijo. Era acompanhado
há alguns anos pela assistência domiciliária da junta de freguesia, mas quase
não dava trabalho.
Ia tendo conversas de
circunstância com os seus vizinhos, que eram quase todos oriundos de latitudes
mais a sul e com outras formas de celebrar o Natal. Na verdade, dos tempos da
sua infância, só restava o seu amigo Alfredo, que morava no prédio ao lado.
No banco de jardim, eles davam
largas às conversas, que incluíam assuntos da atualidade, dos quais tinham
opiniões bem cimentadas. Mas, por vezes, divagavam por aquilo que havido sido a
sua vivência já longa. Falavam sobre natais passados com toda a família reunida
para as comemorações, pois era aquele o grande objetivo do Natal, e de como
eram divertidos.
Também abordavam as brincadeiras
de rua que haviam tido ainda antes de frequentarem a escola. A escolaridade
acabou por ser pouca, e nenhum foi além da quarta classe, o que era normal
naqueles tempos. Sendo eles filhos de pais vindos da província, sabiam bem que,
mesmo tendo deixado a escola cedo - aos onze anos, ambos já trabalhavam -, se a
vida fosse vivida na terra natal, as coisas seriam ainda mais difíceis.
Educou os seus três filhos, uma
rapariga e dois rapazes, o melhor que sabia. Os natais no início das suas
infâncias eram uma cópia dos seus, com toda a família junta. Mas o Sr. Euclides, embora fosse um
homem de pouca instrução, era inteligente. Por isso, foi cedendo às novas
formas de comemorar o Natal.
Durante a adolescência dos
filhos, já o Natal era feito com um pinheiro, como todos faziam. Mais tarde,
quando se falou das consequências do abate de árvores, ele, para manter a
alegria do Natal para os netos, comprou uma árvore em plástico, o que foi bom,
pois durou imenso tempo. Porém, os filhos deixaram de ir
passar o Natal a sua casa.
Nunca mais
teve motivo para colocar aquela imitação de pinheiro enfeitada com bolas
brilhantes e luzes que piscavam, porque o mais importante era ter a família
toda à mesma mesa, pelo menos um dia por ano. Mas isso já não acontecia. Só uma
companhia não faltava ao encontro, o bacalhau.
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